O tema da redação do Enem 2023, “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, traz à tona uma questão estrutural que requer estudo e atenção.
O trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil é uma atividade essencial, mas que ao mesmo tempo, é invisibilizado e desvalorizado pela sociedade. Essa situação gera uma série de desafios.
O trabalho de cuidado é muitas vezes visto como um trabalho simples e não qualificado. No entanto, esse trabalho requer uma série de habilidades e competências, como organização, planejamento, paciência e empatia. Além disso, o trabalho de cuidado pode ser fisicamente e emocionalmente desgastante.
A partir de uma perspectiva psicológica, é importante entender que o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres, inclui não apenas o cuidado com aqueles que necessitam, como idosos, crianças, pessoas adoentadas, pessoas com deficiência, mas também o trabalho doméstico, é uma ação de especial relevância. No entanto, esse trabalho muitas vezes é invisibilizado e desvalorizado, como já mencionado, o que pode ter implicações psicológicas significativas para as mulheres. Essa sobrecarga tem consequências negativas para a saúde mental das mulheres, que sofrem com o estresse, a ansiedade, a depressão e a síndrome de burnout.
No Brasil, as mulheres dedicam, em média, 21,4 horas semanais aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, enquanto os homens utilizam 11 horas. Essa disparidade revela a desigualdade de gênero que sobrecarrega as mulheres, principalmente as negras, que têm o maior índice de realização das tarefas domésticas (92,7%).
Um estudo realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicado em 2023, apontou que o simples fato de ser mulher acarreta aumento de 11 horas semanais de cuidados domésticos e de trabalhos não remunerados. Isso indica que as mulheres estão desproporcionalmente sobrecarregadas com o trabalho de cuidado, o que pode ter implicações para sua saúde mental e bem-estar, podendo levar a sentimentos de desvalorização e estresse, além de contribuir para a perpetuação de desigualdades de gênero.
Diante desses desafios, é preciso buscar alternativas que promovam a valorização e a redistribuição do trabalho de cuidado na sociedade, de forma a garantir a dignidade, a igualdade e a emancipação das mulheres. Algumas medidas possíveis são: a implementação de políticas públicas que ofereçam serviços públicos de qualidade, como creches, escolas, hospitais, lares de idosos, entre outros, que possam aliviar a carga de trabalho das mulheres; a ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários das mulheres que realizam o trabalho de cuidado, dentre outros. Além disso, é importante fornecer apoio psicológico às mulheres que realizam esse trabalho, a fim de mitigar os possíveis impactos negativos em sua saúde mental.
Ao enfrentar os desafios da invisibilidade do trabalho de cuidado, podemos contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, em que as mulheres possam exercer seus direitos e potencialidades plenamente.
Referências:
BASTOS, J. A., & OLIVEIRA, F. M. U. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho: Metassíntese da produção publicada em duas décadas. Psicologia & Sociedade, 2019.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA. Desigualdade de gênero no trabalho doméstico e de cuidados não remunerado no Brasil. Em <https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/14024-estudo-aponta-desigualdade-de-genero-no-trabalho-domestico-e-de-cuidados-nao-remunerado-no-brasil> Acesso em 19 de novembro de 2023.
SANTOS, L. C., CARVALHO, A. B., AMARAL, J. G., BORGES, L. A., & MAYORGA, C. Gênero, feminismo e psicologia social no Brasil: Análise da revista Psicologia & Sociedade, 2016.